Manejo de trilhas

Em geral, os usuários legais dos parques podem ser divididos em 6 categorias, sendo que duas delas são formadas por visitantes específicos em função da natureza do parque. Exemplos: O P.N. Serra dos Órgãos atrai um número considerável de montanhistas/escaladores, no P.N. Vale do Peruaçú esse grupo é formado por espeleólogos. De uma forma geral, é possível dividir os usuários da seguinte forma:

1A) visitante comum de um dia, sem educação ambiental.

1B) visitante comum de um dia, com educação ambiental.

1C) visitantes qualificados de um dia, montanhistas/escaladores/espeleólogos…

2A) visitante comum de dois ou mais dias, sem educação ambiental.

2B) visitante comum de dois ou mais dias, com educação ambiental.

2C) visitantes qualificados de dois ou mais dias, montanhistas/escaladores/espeleólogos…

 Os perfis dos usuários podem variar em função da natureza e da geomorfologia do parque, a exemplo dos parques listados abaixo:

A) Parques em áreas montanhosas

P.N. Serra dos Órgãos, P.N. Tijuca, P.N. S. Caparaó e P.N. Itatiaia, entre outros.

B) Parques em terreno diversificado com múltiplas atrações: cachoeiras, montanhas, cavernas e diversidade ecológica.

P.N. Serra do Cipó, P.N. Chapada Diamantina e P.N.Aparados da Serra, entre outros.

C) Parques situados em área de relevo cárstico (ricos em cavernas).

P.N. Vale do Peruaçú, P.N. Ubajara e P.N. S. Capivara, entre outros.

D) Parques situados no litoral.

P.N. Fernando de Noronha e P.N. Ilha Grande, entre outros.

Os parques estaduais e nacionais podem ter suas áreas divididas em quatro setores em função da intensidade de uso: A) uso intenso, B) uso moderado, C) uso esporádico e D) sem uso ou uso muito restrito.

A) Áreas de uso intenso – já é conhecido que a maior parte dos usuários se encaixa nos perfis 1A (visitante comum de um dia sem educação ecológica) e 1B (visitante comum de um dia com educação ecológica). Esses procuram áreas urbanizadas ou trilhas curtas que dão acesso aos mirantes, cachoeiras, lagos etc. e ficam próximos dos principais acessos (estradas), sede e centro de visitantes.  O melhor exemplo é o P.N. Foz do Iguaçu, com taxa de visitação anual de aproximadamente um milhão de pessoas. O impacto causado por esse grupo pode ser intenso, mas fica restrito nessas áreas que, em geral, é de fácil remediação porque são trilhas “confortáveis” que não passam em terrenos acidentados. Algumas dessas trilhas são pavimentadas, especialmente as que possuem maior apelo turístico.  No zoneamento das  unidades de conservação, essa área geralmente corresponde à zona de uso intensivo.

B) Áreas de uso moderado – possuem montanhas famosas, cachoeiras imponentes, cavernas etc, mas o acesso é feito por trilhas longas ou íngremes. No P.N. Serra dos Órgãos podem ser usados como exemplo a Pedra do Sino e o Morro do Açu. Outros exemplos são Pico da Bandeira (P.N. Caparaó) e Agulhas Negras (P.N. Itatiaia). São diversos os tipos de usuários dessas áreas, é possível que a maioria não possui um conhecimento de educação ambiental adequado, tão pouco preparo físico para freqüentá-las. Em geral, são grupos de amigos que não são ligados a entidades especializadas. Como carregam peso em excesso e desnecessário, acabam por abandonar utensílios e dejetos ao longo do caminho para aliviar peso, além de coletar espécimes da flora e até lenha para fazer fogo. No zoneamento das  unidades de conservação, essa área geralmente corresponde à zona de uso extensivo.

C) Áreas de uso esporádico (baixo) – Normalmente são áreas que o usuário comum desconhece ou não tem interesse, muitas vezes porque o acesso é longo e demorado, como chegar a um objetivo distante como cachoeira, caverna ou gruta. Outro exemplo são montanhas com acessos relativamente difíceis, onde torna-se necessário o uso de técnicas e equipamentos de escalada. Ou seja, essas áreas somente interessam a visitantes específicos (montanhistas), a exemplo do Dedo de Deus. No ano de 2005 houve cerca de 590 visitas a essa montanha, o que é um número muito baixo, basta observar o estado geral da trilha, que aliás, os próprios montanhistas fazem sua manutenção. Nos trechos críticos foram fixadas passarelas de cabo de aço para minimizar a degradação desses pontos.  No zoneamento das  unidades de conservação, essa área geralmente corresponde à zona de uso extensivo ou primitivo.

D) Áreas de uso muito restrito – Podem ser cavernas tecnicamente difíceis de serem exploradas, ou montanhas longínquas e de difícil acesso. Nestes casos, a restrição se impõe pelas dificuldades técnicas e pela experiência requerida do visitante (por ex: montanhistas ou espelólogos).  Em se tratando de montanhas, no PNSO há várias que se encaixam nessa condição e a taxa de visitação para cada montanha é menor que 50 pessoas ano. Esse número é tão baixo que às vezes, quando ocorre de um ano ser excepcionalmente úmido, não há visitas e a trilha fecha devido ao crescimento da vegetação, ou seja, praticamente não há impacto relativo ao uso. No zoneamento das  unidades de conservação, essa área geralmente corresponde à zona de uso primitivo.

Categorias de manejo de trilhas

As trilhas podem ser classificadas em função do perfil de visitação e o grau de conservação do ambiente natural. Esta classificação auxilia na gestão e na própria definição do zoneamento do Plano de Manejo. O perfil de visitação pode ser obtido através dos registros de visitação, como ‘termos de responsabilidade’; na base de conhecimento de organizações de montanhismo; e do conhecimento empírico dos montanhistas.

A) Trilhas populares

Caracterização

  • freqüente encontro de visitantes.
  • experiência de isolamento é limitada, principalmente nos períodos de alta temporada.
  • são áreas onde a presença humana é claramente perceptível, com existência de algum tipo de sinalização, estruturas de conservação de trilhas e construções de apoio são freqüentemente demandadas.
  • impactos localizados podem ser comuns, especialmente em áreas de pernoite.
  • medidas de recuperação/manutenção são normalmente requeridas.
  • a infra-estrutura e excursões comerciais reduzem os requisitos de conhecimento e experiência de montanhismo.
  • classificadas com zonas extensivas ou menos restritivas no plano de manejo

Infra-estruturas sugeridas

  • sinalização
  • estruturas de contenção e drenagem
  • instalações sanitárias
  • pontos de coleta de lixo
  • acampamentos e abrigos

Diretrizes

  • capacidade de suporte definida pela infraestrutura existente: contenção, drenagem,  pernoite,  instalações sanitárias etc.
  • indicadas para o turismo e educação ambiental
  • monitoramento intensivo para ajustes das diretrizes de visitação
  • concentração das ações de busca e salvamento
  • classificadas como zona extensiva ou menos restritiva no plano de manejo.

B) Trilhas montanhismo tradicional

Caracterização

  • acesso a áreas de baixa visitação.
  • visitantes comumente encontram o isolamento, mas eventualmente podem encontrar outras excursões.
  • excursões nessas áreas requerem um moderado a alto grau de conhecimento e experiência em montanhismo.
  • a presença humana é pouco perceptível, com trilhas demarcadas, em geral sem sinalização, sendo possível encontrar discretos marcos naturais.
  • impactos localizados são pouco freqüentes e de baixa magnitude.
  • classificadas como zona primitiva ou menos restritiva no plano de manejo.

Infra-estruturas sugeridas

  • sem infra-estrutura para facilitação ou estímulo à visitação maciça.
  • sinalização pode ser necessária em áreas mais críticas do traçado, para evitar abertura de atalhos e desvio da rota, especialmente em dias de nevoeiros.
  • pequenas intervenções podem ser eventualmente requeridas para conter processos erosivos e evitar abertura de atalhos.

Diretrizes

  • Indicadas para o montanhismo tradicional.
  • Monitoramento pelas próprias excursões do montanhismo tradicional.
  1. C) Trilhas montanhismo tradicional em áreas remotas

Caracterização

  • Acesso a áreas remotas raramente visitadas, quase inexploradas.
  • Visitantes encontram o isolamento, sendo raro encontrar outras excursões.
  • Excursões nessas áreas requerem um alto grau de conhecimento e experiência em montanhismo.
  • A presença humana é praticamente imperceptível, com trilhas pouco ou não marcadas, em geral sem sinalização, sendo possível encontrar discretos marcos naturais.
  • Impactos são extremamente raros ou inexistentes.
  • classificadas como zona primitiva no Plano de Manejo.

Infra-estruturas sugeridas

  • Não é prevista qualquer infra-estrutura de visitação

Diretrizes

  • Indicadas para o montanhismo tradicional
  • Monitoramento pelas próprias excursões do montanhismo tradicional
  • Excursões devem ser previamente comunicadas à direção do Parque.

A classificação pelo perfil do usuário e pela intensidade de uso, apresentados na introdução, pode orientar os critérios de zoneamento do Plano de Manejo, em especial os critérios indicativos para vocação de uso (potencial para visitação e potencial para conscientização ambiental). As zonas para as categorias de manejo são definidas na Revisão do Roteiro Metodológico para o Planejamento de Unidades de Conservação de Uso Indireto (IBAMA, 2002). Para fins de uso público de destacam quatro zonas de caráter geral, que indicam graus decrescentes de restrições de uso: Zona Intangível; Zona Primitiva; Zona de Uso Extensivo; e Zona de Uso Intensivo. Estas quatro zonas são descritas abaixo. As demais zonas atendem a situações mais específicas: Zona Histórico-Cultural’; Zona de Recuperação; Zona Histórico-Cultural;  Zona de Uso Especial; Zona de Uso Conflitante; Zona de Ocupação Temporária; Zona de Superposição Indígena; Zona de Interferência Experimental; e Zona de Amortecimento. Sendo esta última trata da área do entorno da Unidade.

I – Zona Intangível: É aquela onde a primitividade da natureza permanece o mais preservada possível, não se tolerando quaisquer alterações humanas, representando o mais alto grau de preservação. Funciona como matriz de repovoamento de outras zonas onde já são permitidas atividades humanas regulamentadas. Esta zona é dedicada à proteção integral de ecossistemas, dos recursos genéticos e ao monitoramento ambiental. O objetivo básico do manejo é a preservação, garantindo a evolução natural.

II – Zona Primitiva: É aquela onde tenha ocorrido pequena ou mínima intervenção humana, contendo espécies da flora e da fauna ou fenômenos naturais de grande valor científico. Deve possuir características de transição entre a Zona Intangível e a Zona de Uso Extensivo. O objetivo geral do manejo é a preservação do ambiente natural e ao mesmo tempo facilitar as atividades de pesquisa científica e educação ambiental permitindo-se formas primitivas de recreação.

III – Zona de Uso Extensivo: É aquela constituída em sua maior parte por áreas naturais, podendo apresentar algumas alterações humanas. Caracteriza-se como uma transição entre a Zona Primitiva e a Zona de Uso Intensivo. O objetivo do manejo é a manutenção de um ambiente natural com mínimo impacto humano, apesar de oferecer acesso ao público com facilidade, para fins educativos e recreativos.

IV – Zona de Uso Intensivo: É aquela constituída por áreas naturais ou alteradas pelo homem. O ambiente é mantido o mais próximo possível do natural, devendo conter: centro de visitantes, museus, outras facilidades e serviços. O objetivo geral do manejo é o de facilitar a recreação intensiva e educação ambiental em harmonia com o meio.

Quadro 2.1 – Categorias de manejo de trilhas, em função da intensidade da visitação e do perfil de visitação, como critérios indicativos de vocação de uso como apoio ao zoneamento do plano de manejo.

Intensidade de visitação Perfil esperado dos visitantes* Categoria de manejo de trilhas Zonas Compatíveis**
A) Áreas de uso intenso 1A, 1B Trilha popular Zona III ou IV
B) Áreas de uso moderado 1A, 1B, 1C, 2A, 2B 2C Trilha popular Zona III
C) Áreas de uso esporádico 1C, 2C Montanhismo tradicional Zona II
D) Áreas de uso muito restrito 2C Montanhismo tradicional em áreas remotas Zona II

* Onde o número indica o número de dias de visitação, sendo: 1 – um dia e 2 – dois dias ou mais; e a letra níveis de qualificação do visitante, sendo: A – visitante comum, sem educação ecológica, B – visitante comum, com educação ecológica, C- visitante qualificado (montanhista,…).

**Considerando apenas as seguintes zonas: I – Zona Intangível,  II – Zona Primitiva, III – Zona Extensiva, IV – Zona Intensiva, que representam as zonas de caráter geral, com níveis decrescentes de restrição de uso.

Diretrizes para conservação de trilhas

Embora os benefícios da recuperação de trilhas sejam evidentes, pode ocorrer situações não desejadas, nem sempre previstas durante a concepção da intervenção. Com o objetivo de reduzir o risco da ocorrência destes problemas, são indicadas algumas recomendações em caráter geral.

  1. Deve-se interferir o mínimo possível no ambiente natural, ou seja, realizar apenas as intervenções estritamente necessárias para atender à demanda de recuperação, e sempre de forma discreta e harmoniosa com o entorno.
  2. Privilegiar ações reversíveis, com o objetivo de reduzir os riscos das ações promovidas, facilitando correções e ajustes futuros, caso for necessário. Evite escavar na rocha, construir obras pesadas de alvenaria e o uso de cores berrantes.
  3. Lembrar que a trilha é uma infra-estrutura bastante primitiva, esta característica deve estar em mente no planejamento e execução da conservação, devendo privilegiar soluções simples e de baixo custo, que envolvam o emprego de materiais harmoniosos com o ambiente, como: madeira e pedras.
  4. As intervenções propostas, sempre que possível, devem ser documentadas num projeto – ou pelo menos num croqui e posteriormente atualizado quando as intervenções forem executadas (‘as built’). A documentação facilita a comunicação com outros atores sociais envolvidos ou com interface com o projeto; auxilia no processo de manutenção e; serve de memória técnica para auxiliar outros projetos de recuperação, consolidando e difundindo conhecimentos sobre o mesmo tema.
  5. Ao planejar intervenções significativas em uma trilha, deve-se procurar alinhar as expectativas do projeto com o perfil de visitação existente, em especial os visitantes tradicionais, como montanhistas e as organizações públicas que possuem alguma gerência sobre a área. Uma intervenção excessiva pode comprometer a experiência da visitação, bem como a própria estética da trilha. Esta comunicação visa buscar soluções convergentes reduzindo assim, os riscos de ações equivocadas e/ou a má compreensão das intervenções realizadas.
  6. Como linha de orientação básica, as intervenções propostas devem procurar manter o grau de exigência (dificuldade) natural da trilha, ou seja, devem ser feitas primeiro para reduzir o processo de degradação à qual foi submetida. A facilitação de visitação deve ser restrita aos casos em que esta funciona como uma alternativa de proteção do ambiente natural, evitando situações como: a abertura de atalhos e/ou alargamento, comuns em trilhas intensamente visitadas. A sinalização e outros elementos de comunicação visual devem se restritos às trilhas consideradas populares.
  7. Na elaboração do projeto de recuperação deve-se procurar analisar os possíveis impactos negativos diretos e indiretos das intervenções propostas, reduzindo o risco de ocorrência de problemas decorrentes tais como: surgimento de novos pontos de erosão ocasionados pelo desvio de drenagem de trilhas; escolhas de alternativas de traçado em ambientes mais frágeis e; aumentar o número de acidentes com a implantação de equipamentos que passem uma falsa sensação de segurança aos caminhantes menos experientes, como é o caso de transformar trechos de escaladas ou caminhadas íngremes com trechos de pedras em vias ‘ferratas’ – com a instalação de cabos de aço, escadas de ferro ou pegadores.
  8. Procurar não eliminar trechos de escaladas com a colocação pesada de ferragens tais como: cabo de aços, escadas de ferro, pegadores (alças de vergalhão).  Algumas trilhas apresentam trechos de escalada técnica, onde uma passagem com segurança requer equipamentos tradicionais de escalada, como: cordas, ‘bouldrier’ (cadeirinha), mosquetões, entre outros. A presença destes trechos pode induzir à colocação de equipamentos típicos de via ‘ferrata’, com o objetivo de facilitar a passagem. A utilização pesada de ferragens como equipamento de proteção foi uma característica do montanhismo brasileiro durante a década de 50. Contudo, a evolução da técnica e equipamentos da escalada fez com que este estilo fosse gradualmente abandonado, inclusive com algumas vias ‘ferratas’ desequipadas. Este quadro já consolidado foi reforçado nos últimos anos pelas práticas de montanhismo de mínimo impacto. Assim, dois pontos devem considerados na colocação pesada de ferragens para eliminar lances de escalada em trilhas: (i) a possibilidade de descaracterização de uma trilha que historicamente vem sendo realizada nestas condições e; (ii) estes equipamentos facilitarem a subida de pessoas despreparadas acarretando acidentes, por vezes fatais. É oportuno lembrar o exemplo de uma via ‘ferrata’ no Pão de Açúcar, o CEPI, que apresentou maior número de acidentes fatais com larga margem de vantagem para as demais no Estado do Rio de janeiro. Por este motivo, deve-se evitar equipar com ferragens trechos de escalada tradicionalmente feitos em livre. A utilização de ferragens deve restringir-se aos trechos de caminhadas com as seguintes características: (i) aumento da dificuldade e do risco em caso de alterações na trilha ocasionada por erosão, deslizamentos ou outros movimentos de terra e; (ii) em trechos muito íngremes, como forma de proteger a vegetação que vem sendo usada como apoio e que esteja claramente comprometida.
  9. Antes de iniciar algum trabalho de manutenção em qualquer ambiente, procure informar-se com órgão gestor da área, com as entidades de montanhismo ou ong’s  que possam eventualmente já estar atuando no local para que haja sinergismo de ações.  Muitas vezes ações de recuperação ou conservação de trilhas ou de uma área natural não são evidentes, embora esta possa já estar sendo trabalhada há algum tempo por pessoas, entidades ou mesmo instituições de pesquisa.

extraído da publicação “Manejo de áreas de Montanha,: Queiroz, D. e Farias, A.P. FEMERJ – em fase de publicação – 2008

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