A Escalada no Rio Grande do Sul

Imagem de destaque: Luis Gonzaga Cony, arquivo pessoal. Fonte: inema.com.br

A Escalada no Rio Grande do Sul

Definições: A escalada consiste na subida de paredes verticais com diversos graus de inclinação e dificuldade, utilizando-se de agarras na rocha e alguns equipamentos de segurança. A escalada “tradicional” visava a atingir o cume ou ponto proeminente de algum acidente rochoso, via de regra, usava-se sempre o caminho mais fácil até o cume, o que hoje chamamos de rotas ou vias normais ou clássicas.

Com o desenvolvimento técnico, físico e o incremento de materiais de segurança, o que era um mero exercício de ascensão em picos virou uma atividade física específica que, acrescida do fator risco, buscava rotas cada vez mais difíceis. Da escalada tradicional derivaram diversas atividades que, com o tempo, adquiriram status próprio. O conhecimento técnico básico necessário para a prática segura de qualquer uma das ramificações é o mesmo. Assim, da escalada tradicional derivou-se a escalada livre, a escalada esportiva, a escalada em gelo, a escalada artificial, a escalada de grandes paredes ou big wall, a escalada em muros ou indoor, a escalada em boulder e o rapel. Essas atividades exigem um conhecimento técnico em comum, que, hoje, denominamos de técnicas verticais.

A escalada livre consiste na ascensão de uma superfície rochosa sem o auxílio de qualquer meio artificial de progressão, ou seja, usando-se apenas das superfícies corporais, dos calçados e da força física. A escalada esportiva é derivada da escalada livre, onde os praticantes buscam ascender paredes rochosas com extrema dificuldade ao invés de alcançar lugares ermos e remotos. Na escalada em gelo, como o próprio nome diz, a superfície de prática é o gelo, podendo, também, tornar-se escalada mista, quando realizada em gelo e rocha. A escalada artificial compõe-se do uso de equipamentos especiais para a subida da parede rochosa, sendo a manifestação oposta da escalada livre. A escalada de grandes paredes consiste na ascensão, tanto livre quanto artificial, de lugares onde o trajeto de escalada é extenso. A escalada em muros é praticada em estruturas artificiais, sendo comum à utilização de ambientes fechados (indoor). A escalada em boulder pode ser definida como a ascensão de blocos de rocha ou paredes artificiais de até 4 metros de altura, o termo pode ser utilizado tanto para escalada esportiva quanto para escalada indoor. O rapel é o uso de técnicas de descida por corda, utilizadas na escalada, para o deslocamento em quaisquer superfícies verticais. O desenvolvimento técnico em cada região ou país em particular da escalada pode ser acompanhado por registros de memória, como se expõe a seguir com referência ao RS.

1786 Dados indicam que o montanhismo tenha surgido devido à ascensão do Mont Blanc, na França, pelos escaladores franceses Jacques Balmat e Michel Paccard.

1912 No Brasil, há registros sobre montanhismo desde o início do século XIX, porém a Conquista do Pico do Dedo de Deus em Teresópolis – RJ, liderada pelo Sr. Teixeira neste ano, tem sido considerado o marco inicial e formal do esporte no Brasil.

1950 No Rio Grande do Sul, inicia-se a história da escalada com a fundação do Clube de Excursões Farroupilha – CEF, que tinha por objetivo viagens lúdicas para conhecimento de áreas naturais do Estado. Duas pessoas são consideradas ícones do CEF e, conseqüentemente, da escalada no RS, são eles Edgar Kittelmann e Luis Gonzaga Cony, influenciados pela formação técnica do italiano Giusenne Gambaro.

 

Edgar Kittelmann Fotos: Inema e Google imagens, Eliseu Frechou, Arquivo Pessoal, ACM,…

Luis Gonzaga Cony Foto: Arquivo Pessoal. Inema.

1952 O CEF desbrava a trilha de acesso ao Pico dos Corvos no Maciço do Itacolomi, situado na RS 020, Faixa de Taquara, Parada 83, no Município de Gravataí-RS. Uma vez atingido o colo do Pico dos Corvos, elegeu-se a via da parede sul, por ser mais factível com os recursos técnicos de então, para se alcançar o cume, iniciando a escalada tradicional no RS.

Década de 1960 Não se registraram novas conquistas, acredita-se que pelo reduzido conhecimento técnico e quase nenhuma disponibilidade de equipamentos de segurança.

1973 Foi conquistada a primeira via de escalada em Caçapava do Sul-RS, na Pedra da Abelha, conhecida na época como “Via do Coqueiro” e, hoje, como “Via Edegar Kittelmann”, em homenagem ao seu conquistador. Com essa conquista, consolida-se o domínio das técnicas de grampeação com pinos “P”, utilizados, também, para conquistas de vias em paredes negativas, surge, então, um misto da escalada tradicional e da escalada artificial. O domínio dessas técnicas facilitou muito a conquista de novas vias, influenciando o surgindo de uma nova geração de escaladores.

Pedra da Abelha, Caçapava do Sul/RS Foto: Lucas Hainzenreder Longhi

1976 Fundação do Clube Gaúcho de Montanhismo – CGM, por Edgar Kittelmann, Luis Gonzaga Cony e outros, que nas décadas seguintes foi o principal fomentador da escalada no RS, conquistando vias, inclusive, nos municípios de Montenegro e Canela.

Luis Gonzaga Cony Arquivo Pessoal

Década de 1980 Os integrantes do CGM, Norton Rodrigues, Roberto Capellari e Irene Fernandes, conquistam o teto do Morro de Sapucaia, um feito técnico considerável até para os dias de hoje, o que os motivou a enfrentar novos desafios no município de Bagé. Durante sete anos, Irene Fernandes e seus companheiros de aventura insistiram na abertura de uma via clássica, hoje conhecida como “Artificial da Irene” no Pico do Morcego em Bagé – RS, com 120 metros de altura e nível de dificuldade “A0”. No final da década, o professor de Educação Física, Paulo Porto, torna-se o principal divulgador da escalada ao abrir a Casa do Aventureiro, primeira loja de aventura do Estado, voltada ao montanhismo e expedições. Seu sócio e companheiro de aventuras no CGM, Luis Henrique Cony, viaja para São Paulo, a fim de aprimorar conhecimentos, descobrindo então a escalada esportiva.

1989 É fundada, por um grupo de rapeleiros, a loja Entrefendas, com o interesse específico na Região dos Aparados da Serra, no RS.

Década de 1990 Houve um aumento no interesse pela escalada, possivelmente influenciado pela abertura comercial do Brasil, em 1994, fato que facilitou as importações de equipamentos de segurança. No início da década, surgiram as primeiras construções de muros de escalada indoor, realizadas por pioneiros da escalada esportiva no Estado, tais como Luis Henrique Cony e Eduardo Tondo (Duca), tendo influências de conceitos europeus para o treinamento.

1991 Rudah Azevedo funda a Aconcágua Equipamentos, com sede em Porto Alegre. Também neste ano, são realizados os primeiros 8º de dificuldade na escalada esportiva do Estado, no Maciço do Itacolomi.

1992 É fundada a loja Big Wall de propriedade do escalador Rafael Britto. A loja Entrefendas é reestruturada e passa a ser Montanha Equipamentos. Surge o 9° de dificuldade de escalada no RS.

1994 Fundada a Associação Caxiense de Montanhismo, na cidade de Caxias do Sul-RS. A Aconcágua Equipamentos divide-se dando surgimento à Arlivre, hoje Vertex Outsider. A partir desse ano, apenas uma loja de montanhismo foi aberta em Porto Alegre, a Aventura Brasil, primeira loja administrada por não praticantes de escalada.

2000 Realizado, pela Associação Bageense de Montanhismo, de Bagé-RS, e pela empresa Stonehouse de propriedade do escalador Elton Fagundes, o 1° Campeonato de Boulder do Rio Grande do Sul no município de Bagé.

2001 Iniciam no “campo-escola” Behne, em Ivoti-RS, os trabalhos de grampeação e regrampeação realizados pela Associação Gaúcha de Montanhismo – AGM. Desde então, a AGM vem sendo uma entidade fundamental na promoção da escalada no Estado, principalmente, na modalidade esportiva. A entidade tem se empenhado na abertura de novas vias e manutenção das demais, em locais como o Maciço do Itacolomi, Morro do Pudim (sito em Gravataí), Minas do Camaquâ, Passo do Sobrado, Salto Ventoso (em Farroupilha), Torres, Caxias do Sul e Ivoti (locais e municípios do RS).

2003 Inicia-se, idealizada por Érico da Silveira, a parceria da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – ESEF-UFRGS e AGM, o que culminou com a construção, pela AGM, de um muro de escalada nas dependências da ESEF-UFRGS. Essa parceria teve o objetivo de divulgar a escalada e disponibilizar um local para treino dos membros da AGM.

2004 Acontece a 1ª etapa do ranking gaúcho de escalada em boulder, durante a 2ª Competição da AGM de Escalada em Boulder, na ESEF-UFRGS. Na academia Estica Vida, em Caxias do Sul-RS, foi realizado o III Indoor Open de Escalada Esportiva, válido pelo ranking gaúcho de escalada esportiva de 2004. Ocorreu o 1° Festival Gaúcho de Montanhismo, na Associação Cristã de Moços de POA, onde houve, válida pelo ranking gaúcho, a 2ª Etapa do Campeonato Gaúcho de Boulder.

2005 Ocorreu a 3ª Competição de Escalada em Boulder da AGM, válida pelo ranking gaúcho de escalada em boulder, utilizando as instalações da ESEF-UFRGS. Situação Atual O início da escalada no Estado foi marcado por um crescimento cíclico, ocorrendo momentos de grande expansão, assim como momentos de declínio na procura pelas atividades. O abandono, mais significativo, aconteceu com praticantes de mais de 30 anos, provavelmente devido a exigências de performance física, da vida profissional ou familiar. Atualmente, esse quadro está se revertendo devido à evolução no treinamento físico dos praticantes recreativos, a estabilização financeira nessa faixa etária e ao amadurecimento técnico-psicológico do escalador. Desde a década de 1990, a escalada no RS foi fomentada, fundamentalmente, pela modalidade esportiva, ou seja, pela procura por falésias de grande dificuldade técnica, sem interesse, em especial, por se chegar ao cume dos morros. Locais como Torres, Salto Ventoso, Ivoti, e a Gruta da Terceira Légua, em Caxias do Sul, se tornam importantes referências da escalada no Estado. Hoje em dia, Santa Maria, Cotiporã, Santa Cruz, Minas do Camaquâ, Passo do Sobrado, Sentinela do Sul, Gravataí e Caçapava do Sul, também, começaram a receber um considerável número de praticantes. Atualmente, a escalada é vista como uma atividade de interesse turístico e econômico, contribuindo, de forma significativa, na revitalização de municípios de economia agrícola, que, no mais das vezes, possuem o setor de serviços fragilizado evidenciando a necessidade de geração de empregos. Não se têm dados exatos disponíveis quanto ao número de praticantes no RS, principalmente, devido à existência de poucos clubes e entidades de classe, o que possibilitaria um censo mais preciso. Contudo, a Federação Gaúcha de Montanhismo estimava que, em 2003, haveriam cerca de 500 praticantes no RS. Esse quadro tende a ser revertido, já que, diversos grupos estão se reunindo, não só na região metropolitana de Porto Alegre (e. g., em Esteio) e na Serra Gaúcha (e. g., em Bento Gonçalves), mas também, em Arroio do Meio, Pelotas, Caçapava do Sul, Passo Fundo, Antonio Prado e Bagé. Mesmo sendo um Estado com poucas montanhas existe um grande interesse pela escalada, o que se evidencia, hoje, pelos quase mil praticantes do Rio Grande do Sul.

Fonte do texto: ATLAS DO ESPORTE NO RIO GRANDE DO SUL, pág. 81

ÉRICO EMANUEL TIEPPO DA SILVEIRA, RUDAH AZEVEDO E ALCIDES VIEIRA COSTA

Cris Costa, Montanhismo, Atlas do Esporte no Brasil, 2005; Projetos da ESEF-UFRGS.

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