Cajon de Arenales 2008 (Por Juliano Perozzo)

CAJON DE ARENALES / TUNUYAN – ARGENTINA

25/12/08 Êta festa boa de Natal, primeiro a família, depois os amigos. No início da tarde o Luis Henrique me convidou para darmos uma pedalada pelo interior e aceitei, mal sabia que iria errar o caminho e acabamos andando algumas dezenas de quilômetros a mais (por volta de 60 km).

26/12/08 Cheguei em casa da pedalada a 01:30 da manhã, arrumei as coisas para irmos para a Argentina, escalarmos em Arenales, um Cânion de granito laranja, amarelo e às vezes rosado, cheio de fendas e agulhas alucinantes. Consegui dormir um pouco (1h15min) antes de partir para Bento Gonçalves, onde mora o Samir, e onde deixaria meu carro pois iríamos com o dele que é mais novo. Cheguei em Bento as 06 da manhã e partimos as 07 horas, o Samir e Eu. Passamos por Uruguaiana por volta das 16 horas e ficamos cerca de 30 minutos na alfândega, as vezes demora mais. Seguimos a estrada e acabamos dormindo em San Francisco (hotel a 50 pesos por pessoa), onde chegamos por volta da meia noite.

27/12/08 Acordamos as 07 horas e uma hora depois estávamos na estrada de novo. Por volta das 15:30 horas chegamos em Mendoza(2100 km de Bento), falamos com o Humberto Junior (Gaúcho que mora em Mendoza e trabalha como guia de montanha), compramos algumas coisas no mercado, passamos em Maipu pra ver a Taís, filha do Junior, onde acabamos jantando. Dali seguimos a Tunuyan, a 95 km de Mendoza e depois ao Manzano Histórico (mais 25 km), um lugar onde passou o “libertador” San Martin, num caminho restrito que leva ao Chile ( O manzano (uma macieira) não existe mais é claro, brincamos que o Martin deu uma mijadinha na macieira, e ela ganhou fama, hehe). De Manzano são mais 18 km até o Refúgio Portinari, agora de estrada de terra, totalizando 135 km de Mendoza. Chegamos ao Refúgio Portinari (2500m), da Gendarmeria Argentina (tipo exército), as 03: 40 da manhã. Batemos na porta e nada, já estava pensando em bivacar por ali mesmo, quando chegou mais um carro e mais um… Eram nossos conterrâneos do Rio Grande, escaladores que conhecia por nome há tempos, Gabriel e Gustavo de Pelotas, Camila de Caçapava e Fabrício de Passo Fundo, e o Alexandre Altmann de Lajeado, pai fresco, hehe (recém teve um filho). Sabíamos que eles estavam vindo, cada um no seu tempo, por feliz coincidência chegamos juntos. Logo o guarda acordou com a bagunça e acabamos nos registrando e seguimos ao acampamento, logo atrás do refúgio, uns 200 metros. Local bem plano, água perto, montamos a barraca meio na loca (bem na estrada é melhor dizer, hehe) pois era noite e estávamos cansados.

28/12/08 Acordei com visão da Muralha Amarela, gigante, assustador, será que vou escalar aquilo ali? Café e tal, bate papo com a galera, reorganizamos o acampa e o Samir e Eu, já que não íamos ficar muito tempo pelas bandas, bem menos que o resto da galera, tratamos de não perder tempo e lá pelo final da tarde fomos escalar a via El Condor Pasa, 100m, 5º. Cerca de uma hora de caminhada de aproximação e 200 metros de desnível de altitude cansou um pouco. Mais alguns minutos até reconhecer a saída, mesmo com o Guia Escaladas em Mendoza, que o Thomas fez a super, ultra, mega gentileza de emprestar, de todo o coração agradecemos pois sem ele seria terrível. Seguimos a acreditada saída e com proteção por grampos fomos ultrapassando as enfiadas de corda, cada um guiava uma e assim seguiu toda a expedição. Chegamos no topo, após 5 enfiadas, a noite. Rapelamos com as head lamps e nos perdemos um pouco na trilha, que sempre arrematava o dia e nos deixava exaustos. Felizes, papo com a galera, janta e boa noite.

29/12/08 Após o sempre super café da manhã… Acabou a fase dos grampos…optamos por vias fáceis e com proteções móveis. A mochila agora um pouco mais pesada tornou um pouco mais lenta a aproximação, mas só um pouco. Chegando na pedra, avistei uma fenda que parecia bem boa e fácil e entrei, treinando a colocação das peças. A via Elida, 24m, 5º, com algumas proteções fixas (acabei protegendo em duas delas) por vezes passava pela fenda a qual escalava e acabei por rapelar em sua parada dupla e recolher as peças. Em seguida o Samir fez a 1ª enfiada na via El Filo, 85m, 5+. Também haviam alguns grampos pela via, bem esporádicos, mas o Samir não protegeu neles, servindo como treinamento psicológico e acabou alongando mais a enfiada, ficando com quase 50 metros e montou uma parada móvel. Recolhi e segui guiando a linha, por vezes ignorando alguns grampos exceto os que davam acesso a uma parada, perto de um platô, fora da fenda. Cheguei nela e logo o Samir seguiu até o platô gigante, dava pra bivacar, até montar barracas, alguns belos cactos adornavam o platô e o visual do Vale do Arroyo Grande era lindo. Ali encontramos um cordelete igual ao que o Samir, ontem, havia alterado o nó, otimizando-o. Chegamos na base com dois rapeis e encontramos uns cariocas descendo da parede, perguntei, vocês são da onde? – Sou de Niterói, ele falou. Falei, Conheço o Zezinho de Niterói (uma vez estava em Salinas, tempo ruim, e foi só cachaçada). Sou Eu disse ele, risos (um não reconheceu o outro), e batemos um papo, eles estavam no refúgio superior, bem no Cajon. Ao observarmos a parede não estávamos entendendo o caminho que percorrêramos. Somente depois, no acampamento, é que percebêramos que havíamos rapelado por ali ontem, mas como era noite não havíamos reconhecido o local, e confirmamos que o cordelete encontrado na parada era o mesmo, muitos risos. À noite sempre conversávamos com a galera, cada um contando suas aventuras e dando dicas aos que fossem repetir algumas das mesmas vias.

30/12/08 A mesma rotina da manhã, lava a cara no rio gelado, pega água, e super café. Partimos agora para a Via Intercooler, 125m,5+, num setor mais a direita da Parede de La Mitria, onde escalamos os dois dias anteriores. Na base da via encontramos outros cariocas, batemos um papo, moçada gente fina. O Samir abriu a via, passando por uns blocos não tão firmes, meio negativo, esticou e foi até uma parada dupla. Dali ele mesmo seguiu um pouco mais até a base do diedro da esquerda, onde encontrou uma chapeleta pra montar a parada com mais uns móveis. Segui pelo diedro, as vezes aos gritos de emoção, seja pelo esticão, pelo crux, pelas peças, pelo visual, subi mais de 40 metros, bela escalada. O Samir concluiu a via com uma travessia exposta até a parada dupla e 1º rapel. Da via fotografamos o Fabrício e o Altmann escalando uma via ao lado. Rapelamos juntos.

31/12/08 Dia de descanso, fomos a Tunuyan comprar alguns apetrechos para a festa de final de ano. Na descida encontramos a Mi, escaladora, morava em Porto Alegre e agora está no Rio de Janeiro, chegando ao acampa, pra escalar com a galera. Dia de descanso meio tumultuado na cidade, maior agito de final de ano, mas certamente rolou a pizza e as “biras” nativas. Voltamos com as coisas, fogueira, grelhados, cerveja, vinho, arroz a grega, saladas, muito bate papo, risadas e gaita de boca com o Gabriel. Toquei numa gaita dele, que devo ter babado tanto, que ele até me deu a gaita, hehe, não sei se a galera gostou mas eu me emocionei. Muitas estrelas e meteoritos.

01/01/09 Tempo instável, impróprio para escalada. Ventos fortes. Encoberto. Frio. Muitos desmoronamentos de pedras na Muralha Amarela. Ficamos todos abrigados num refúgio de lona da galera, batendo papo e provando os vinhos e as cevas argentinas. Perguntei ao Gabriel se tinha me dado a gaita mesmo, pois estávamos um tanto embriagados naquele momento e disse que sim.

02/01/09 Fomos fazer a aproximação a Agulha Mutantes e levamos todos os equipos, se encontrássemos a agulha fácil, escalaríamos. Los Mutantes, 220m, 5º, Abri a 1ª enfiada de corda e estiquei uns 50m, parada móvel, o Samir recolheu e seguiu a 2ª enfiada, mais uns 40m. Fomos alternando mais 4 enfiadas e o Samir chegou ao topo da agulha já noite, por volta das 22h. O rapel! Descemos do cume e acessamos uma crista que levava ao topo da Muralha do Refugio. O rapel é numa canaleta entre a Muralha do Refúgio e a Parede de La Mitria, num rapel de 30m. Não encontramos a canaleta, escuro, por vezes nublado, as head lamps não nos davam uma visão em larga escala. Acabamos por rapelar uns 200 metros de parede virgem. O Samir abriu as descidas, por volta da meia noite, procurando sempre os bicos de pedra e rapeis curtos. Fizemos uns oito rapeis, uns seis em bico de pedra, cerca de 20/25 metros cada, sempre com uma corda só, a outra de reserva ia na mochila. Nossos amigos, vendo nossas headlamps no meio do nada, sabiam que estávamos numa situação delicada e se organizaram e se aproximaram da base da parede, dando-nos um certo conforto. Os dois últimos rapeis tivemos que abandonar algumas peças pois não encontrávamos mais bicos de pedra. Alguns meteoritos deram-me o prazer de pedir que chegássemos em segurança ao acampamento. Iniciamos a caminhada para escalar a Agulha por volta das 14h, a escalada iniciou as 16h, as 22h estávamos no topo da agulha, as 24h iniciamos os rapeis e as 05:30 da manhã estávamos caminhando em direção ao acampamento. Todos exaustos, e as lembranças mais loucas da minha vida de escalador. Quando cheguei ao acampamento disse duas coisas: desculpe pelo incômodo e obrigado pelo apoio.

03/01/09 Bom, fui dormir então as 6 da manhã. Em virtude do sol tive que levantar as 11 horas. Certamente precisávamos nos recompor. Descemos até onde havíamos deixado o carro, na trilha de acesso ao Chorro de las Viejas, e dali descemos a Tunuyan, uma bela pizza e um banho quente no posto de gasolina. O Samir levou um frango assado pra galera e eu levei uns bons vinhos argentinos, em recompensa ao apoio psicológico que recebemos durante nosso rapel um tanto preocupante.

04/01/09 Agora sim um pouco mais descansado e bem alimentado, fomos reconhecer nossa linha de rapel (noturno e adrenante) na Garganta del Puma, um setor com algumas rotas esportivas. Levamos todo o material e chegamos bem acompanhados por duas norte-americanas (da Califórnia e do Arizona, o Samir, esperto, fala inglês, ficou com contato das princesas), que escalaram algumas vias do local. Excelente visual, abrimos uma nova rota no local. Segui por uma linha bem visível, a direita de onde fizemos os dois últimos rapeis (que abandonamos algumas peças), num diedro positivo, 4+, com boas fendas e crux de 5+, cerca de 45 metros. O Samir subiu e pouco antes de chegar na parada fez uma travessia a esquerda e recolheu os dois micronuts e um tricam pequeno, tinha sido nosso último rapel. Em seguida subiu numa variante a esquerda e recolheu nosso penúltimo rapel, dois micronuts e um friend pequeno e ai percebeu outra linha mais bonita, acima e a direita de onde eu estava. Desescalou até a parada e subiu por esta linha, realmente bem mais bonita, culminando num topo de agulha, onde laçou a pedra do cume e montou a parada final, uns 35 metros acima. Escalada fácil mas com poucos pontos para proteção, dali vimos os irmãos de Pelotas no cume da Muralha del Refúgio, eles haviam escalado a bela via Los Diedros. Logo depois avistamos o Fabrício e o Altmann, também no cume da Muralha del Refúgio, após escalarem a via Patrícia, ambas vias altamente recomendadas. Descemos caminhando por uma canaleta exposta e chegamos numa parada fixa, no topo da Parede de La Mitria, daí foram 3 rapeis em paradas fixas. À via demos o nome de Los Gauchos em Arenales, 80m, 5+, no setor Garganta del Puma. Voltamos felizes, equipos resgatados e uma nova via aberta.

05/01/09 Subimos ao Cajon de Arenales pra fazer um reconhecimento do refúgio e da rota que iríamos escalar no dia seguinte. No refúgio encontramos uns escaladores do Rio de Janeiro (pra variar, hehe) que nos deram algumas dicas pra nossa rota pretendida. Voltamos ao carro e subimos um pouco mais a estrada, na intenção de chegar ao refúgio Scarabelli mas, a estrada em mau estado fez-nos retornar, mas não antes de algumas belas fotos e voltamos ao acampamento Portinari.

06/01/09 Pela primeira vez acordamos lá pelas 07 horas, um bom café da manhã, arrumar equipos e partimos de carro até a ponte do Arroyo del Cajon. Dali foram cerca de duas horas e meia de caminhada de aproximação e 400 metros de desnível, chegamos na base da Aguja Nuez, a 3000 metros de altitude as 11:30 da manhã. Abri a escalada esticando cerca de 50 metros de 3º ou 4º grau e demorei mais pra tentar achar a parada, que existia somente no croqui e acabei montando uma parada móvel. O Samir subiu e procuramos mais um pouco e percebemos que não havia parada fixa mesmo. O Samir continuou na linha que acreditávamos ser, conforme o guia, bendito guia. Aos poucos fomos nos aproximando da face vertical, com boas fendas e já um pouco mais exigente tecnicamente. Abri a 3ª enfiada, muito bonita, belos movimentos de oposição, visual excelente e um excelente platô de parada, com duas proteções fixas somente para rapel (cheia de cordeletes abandonados), desaconselhado montar a parada neles devido ao péssimo estado de conservação e tendo boas fendas estava tranqüilo. O Samir guiou a 4ª e última enfiada desta linda via, mais uma seqüência de fenda boa, muita oposição e trechos delicados. Excelente visual do cume da via: Mujeres, Tequila y otras Yerbas, 180 metros, 5+; o Cajon, montanhas nevadas ao fundo, muitas outras agulhas de maior dificuldade e desejos futuros de voltar a Arenales. Os rapeis que pareciam preocupantes foram tranqüilos, a caminhada de descida foi quase um surf na brita de areia (cerca de 30 min) e chegamos ao acampamento felizes e cansados, por volta das 21 horas, ainda dia. A constante preocupação com a segurança, colocação das peças, paradas móveis, rapeis a noite, pediam alguns momentos de tranqüilidade e decidimos partir no dia seguinte mas, não pra casa, e sim a Los Gigantes, em Córdoba, e escalar duas vias sugeridas pelo Altmann.

07/01/09 Tomamos café, arrumamos as coisas, nos despedimos do pessoal e quando estávamos saindo nossos companheiros estavam em direção a Muralha del Refúgio para mais um belo dia de escaladas. Tocamos direto e acampamos perto de Villa Dolores, numa cidadezinha muito simpática, turística, com muitos bares, restaurantes, campings, pousadas, e lindas garotas…Chegamos por volta da meia noite e saímos antes das 9 da manhã. Erramos alguns pequenos trechos pelo caminho e chegamos em Carlos Paz, Tanti e por último La Rotonda, fim da estrada, com Los Gigantes ao fundo. Logo saímos com as mochilas nas costas, procurando a pedra El Tio, onde estava a rota que queríamos escalar, Salamanca, 80 metros, 5+. Perto da base encontramos uns paranaenses que estavam indo ao Plata e a Arenales também. Estávamos meio acuados pela leve chuva e pelo cansaço da viagem até que os conterrâneos botaram pilha: – bóra gaúchos, não dá nada, aqui tem sido todo dia assim… valeu a fibra que não nos permitiu aquele recuo, me encordei e sai guiando a Salamanca, com algumas agarras molhadas e fenda boa, granito escuro (cinza/marrom). O Samir fez a segunda enfiada numa fenda perfeita, com entalamento de mão e pé, até uma parada logo abaixo de um tetinho, o qual fiz rapidinho, pois estava escurecendo. Rapelamos tranqüilos e descemos com os paranaenses e uma aventureira espanhola que estava na área, descemos sob a luz da lua, praticamente sem ligar as head lamps. Ao chegarmos montamos as barracas, jantamos, batemos um papo, ficamos todos ao redor da espanhola e dormimos.

08/01/09 Após o café, desmontamos as barracas e deixamos tudo pronto pra partirmos. Subimos novamente até as pedras e fomos escalar o Cerro de La Cruz, 4 enfiadas, paradas fixas, fenda boa e excelente visual, queria chegar no cume mas a corda não alcançou, montei uma para móvel uns 15 metros antes do top0 e o Samir e Eu chegamos juntos a cruz, acompanhados de alguns locais que foram apreciar o visual. Fotos e descemos por trilha junto com os turistas. Belos vales com rios de águas limpas e poços para banho. Pra variar, perdemos a trilha, mas como tudo descia… Chegamos em La Rotonda (Camping, refúgio e venda de alimentos e bebidas) e logo partimos. Acabamos dormindo num hotel em Devoto (50 pesos cada), cidade um pouco antes de San Francisco.

09/01/09 Café da manhã no hotel e antes das 9 da manhã partimos. Tocamos direto até Bento Gonçalves onde chegamos as 4 horas da manhã.

10/01/09 De Bento peguei meu carro e vim pra Caxias, ainda na mesma noite, chegando em casa as 5 horas da manhã e muito feliz pelas belas aventuras vividas. Agradeço ao Samir pela oportunidade e aos amigos Gabriel, Gustavo, Fabrício, Camila, Altmann e a Mi pela companhia e amizade construída, espero que possamos escalar juntos novamente.

Materiais recomendados: jogo de friends e nuts, várias fitas longas.
Juliano Perozzo

Veja aqui o álbum de fotografias desta expedição.

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