Mal de altitude – Fisiologia e Tratamento

O jovem escalador, incapaz de caminhar e até mesmo de ficar em pé, está estendido em seu saco de dormir no ar rarefeito do Campo Base do Everest. Menos de 48 horas antes, Brad havia chegado aos 5.400 metros de altitude do acampamento ansioso para começar a escalada desafio de sua vida. Trabalhou duro montando acampamento e organizando cargas pesadas. Ao cair da noite sua cabeça latejava de dor e ele tinha pouco apetite. Durante a noite ele dormiu mal, acordando freqüentemente com períodos de perda de respiração e sensação de taquicardia. Quando a manhã chegou, sua cabeça ainda latejava e ele tinha enjôo. Não querendo ser um peso para os demais, Brad não disse a ninguém que estava com problemas. Bebeu pouco, devido à náusea, e medicou sua persistente dor de cabeça com Tylenol e codeína. Somente quando ele não apareceu para jantar na segunda noite foi que seus companheiros suspeitaram de que algo estava errado. Eles encontraram Brad deitado em sua barraca, desorientado e incapaz de ficar em pé. As doze horas seguintes transformaram-se num esforço épico para salvar sua vida. Felizmente os parceiros de Brad reconheceram os sinais de Edema Cerebral de Altitude (HACE – High Altitude Cerebral Edema) e imediatamente deram início à uma evacuação para altitude menor. Com o auxílio de lanternas e dos Sherpas da equipe, eles carregaram Brad por terreno traiçoeiro até a clinica da Associação de Resgate do Himalaia (Himalayan Rescue Association) situada a 4.200 metros. Estava quase amanhecendo quando eu o examinei, já parcialmente recuperado, graças aos 1.200 metros de descida. Brad foi medicado com Diamox e Decadron intravenoso e colocado numa bolsa de pressão Gamow por 4 horas. Sua melhora foi contínua; no terceiro dia ele já estava completamente recuperado. Nem todos que procuram a clinica tem a mesma sorte de Brad. Houve quatro fatalidades naquele ano provocadas por mal de altitude.

Quem, como e porque ?

Uma descrição vívida do mal de altitude foi dada por Edward Whymper, o famoso montanhista inglês, em 1876: “Eu me encontrava deitado de costas… incapaz de fazer o menor esforço. Estávamos experimentando nosso primeiro ataque do mal da montanha. Tínhamos dores de cabeça intensas e éramos incapazes de satisfazer nosso desejo por ar… As dores eram intensas para nós três, tornando-nos quase frenéticos ou loucos”. O número de pessoas que sofre de mal de altitude tem aumentado a cada ano devido, em parte, à grande quantidade de alpinistas tentando picos muito elevados e também ao dramático crescimento do número de viajantes que se aventuram à grandes altitudes através de agências de trekking. Trinta por cento dos que escalam o Monte McKinley e 67 por cento dos escaladores do Monte Rainier são afetados por sintomas de mal de altitude. Não é preciso, contudo, ser um alpinista de alta montanha para sentir os efeitos da altitude – dentre as mais de 34 milhões de pessoas que visitam as áreas de esqui do Colorado a cada ano, 17 por cento desenvolvem sintomas de mal de altitude. É raro experimentar mal de altitude abaixo dos 2.400m. As elevações capazes de causar problemas se dividem em três categorias: moderadas, entre 2.400 e 3.600 metros; altas, entre 3.600 e 5.400 metros; e extremas, acima do 5.400 metros. O Mal de Altitude é resultado direto da pressão atmosférica reduzida que se verifica nessas elevações. Embora a percentagem de oxigênio no ar permaneça praticamente constante, a 21 por cento, a quantidade real de oxigênio que inalado diminui com o declínio da pressão atmosférica. Pressões menores deixam o ar menos denso, e o corpo obtém menos moléculas de oxigênio a cada inspiração. Tempestades causam quedas adicionais na pressão atmosférica, aumentando o desconforto dos escaladores em altas elevações.A primeira parte do corpo a reclamar da quantidade reduzida de oxigênio no ar é o cérebro, que utiliza 20 por cento de todo o oxigênio consumido. Para compensar a redução no oxigênio, os vasos sangüíneos que suprem o cérebro se dilatam para permitir que mais sangue – e, conseqüentemente, mais oxigênio – chegue à cabeça. O cérebro superalimentado começa a inchar, resultando no primeiro e mais comum dos sintomas do mal de altitude: a dor de cabeça. O inchaço progressivo do cérebro pode levar finalmente ao Edema Cerebral (HACE), caracterizado por dores de cabeça severas, vomito, confusão, perda de coordenação, tontura e, se não for tratado à tempo, inconsciência, coma e morte. Os pulmões, que oxigenam todo o sangue do corpo, também requerem maior fluxo sangüíneo quando o oxigênio do ar está menos disponível. O aumento do fluxo sangüíneo nos pulmões pode causar o vazamento de fluidos dos vasos sangüíneos para os espaços de ar, produzindo Edema Pulmonar de Altitude (HAPE – High Altitude Pulmonary Edema). Os fluidos obstruem e dificultam a difusão do oxigênio para o sistema sangüíneo, piorando o débito de oxigênio presente no organismo. Inicialmente a vítima do Edema Pulmonar perceberá marcante falta de ar ao menor esforço e desenvolverá uma tosse seca e cortante. Com o acumulo de quantidades maiores de fluido nos pulmões, a vítima apresenta respiração ofegante mesmo em períodos de descanso, e uma tosse que produz escarro espumoso, geralmente avermelhado. A vitima torna-se ansiosa, não consegue descansar, e tem um pulso rápido e martelado. Pode ocorrer cianose (coloração azulada dos lábios e sob as unhas, indicando oxigenação pobre do sangue). O Edema Pulmonar, HAPE, geralmente aparece dentro de um ou dois dias após a ascensão, mais comumente na segunda noite. Se o paciente não descer para elevação mais baixa, distúrbios severos da respiração, confusão e morte podem ocorrer rapidamente. Embora o Hape seja a causa mais comum de mortes relacionadas com altitude, quando reconhecido à tempo e tratado adequadamente, sua cura é fácil e completa. Nem todo mal de altitude é severo. O mal de altitude moderado, conhecido como Mal de Montanha Agudo (AMS – Acute Mountain Sickness), é comum em viajantes que ascendem rapidamente à elevações acima dos 2.400 metros. O paciente típico sofre de dor de cabeça, dificuldade para dormir, perda de apetite e náusea. Enxaquecas são causadas por problemas vasculares e podem ser distinguidas das dores provocadas por AMS por tenderem a ser localizadas – atrás de um olho, por exemplo – Dores de cabeça por AMS são mais globais. A enxaqueca não evolui para HAPE ou HACE, e não determina a descida imediata, embora a descida cause alívio da dor. Havendo dor de cabeça severa de qualquer tipo, não continue a subir. Se os sintomas não melhorarem dentro de dois dias à mesma elevação, ou piorarem, desça imediatamente. Os pacientes de AMS comumente manifestam uma alteração em seu padrão de sono, conhecida como respiração periódica (Cheyne-Stokes breathing). O sono torna-se espasmódico, associado a um padrão respiratório irregular, caracterizado por períodos de ritmo mais rápido alternados com períodos sem respiração – muito desconcertante para seu colega de barraca. O sintoma que mostra mais seguramente, por si só, a progressão do mal de altitude, de moderado para severo, é a perda de coordenação. O indivíduo tende a cambalear, tem problemas de equilíbrio e é incapaz de andar em linha reta. Não é surpresa que muitas tragédias em expedições de alta montanha se devam em parte a mau julgamento e perda de coordenação, resultado da falta de oxigênio e mal de altitude.

Mal de Altitude – Prevenção

O reconhecimento do HAPE ou HACE pode não ser difícil, mas a natureza insidiosa do AMS apanha muita gente desprevenida. Os alpinistas geralmente se colocam em situações que vão além do desconforto e negam que seus sintomas sejam devidos a problemas de altitude. Quando chega a hora em que eles fisicamente não conseguem mais continuar, seu mal já progrediu até um estágio crítico. A ascensão gradual é o método mais seguro e garantido de se prevenir problemas com altitude. Evite ascensões abruptas para dormir em elevações acima dos 3.000 metros e conserve a média de não mais de 300 metros por dia de ganho de altitude, sempre que estiver acima dos 3.000m. Passeios diurnos até elevações maiores, com retorno para dormir em pontos mais baixos ajudarão na aclimatação. Prefira alimentos ricos em carboidratos e pobres em gorduras, e mantenha-se bem hidratado. Boa forma física não ajuda em nada a proteger do mal de altitude – na verdade, o atleta bem condicionado pode ser mais suscetível ao AMS, pois está condicionado a não hiper-ventilar quando seu corpo está pobre de oxigênio. Uma taxa respiratória aumentada é um dos fatores de adaptação mais importantes durante a aclimatação. Diamox (acetazolamida) é um remédio que ajuda a prevenir o mal de altitude quando utilizado em conjunto com a ascensão gradativa. Diamox provoca aumento na taxa respiratória e também é um diurético; pode predispor à desidratação, e deve-se ingerir líquidos em abundância ao tomar esta medicação (4 litros por dia, no mínimo). Fique preparado também para o inconveniente de urinar com freqüência, especialmente durante a noite. A dose recomendada para prevenção é de 125 miligramas na manhã que anteceder à ascensão, novamente à noite e depois duas vezes ao dia enquanto se estiver ascendendo. Continue tomando Diamox durante pelo menos 48 horas após atingir sua altitude máxima.

Tratamento

O mal de altitude moderado geralmente melhora após alguns dias de descanso, desde que você não suba para elevações maiores – a melhora será mais rápida se você descer algumas centenas de metros. Se os sintomas progredirem apesar do descanso à mesma altitude, ou se ocorrer perda de coordenação, a descida deve ser imediata. Muito freqüentemente as tragédias acontecem em grupos que esperam o amanhecer para começar a descida. Uma pessoa capaz de caminhar com uma lanterna por seus próprios meios, facilmente pode necessitar de uma maca 12 horas mais tarde. Diamox também pode ajudar a aliviar os sintomas do mal de altitude após seu aparecimento. A dose para tratamento é de 250 mg, duas vezes ao dia. O bloqueador de canais de cálcio Nifedipina pode ser benéfico no tratamento do HAPE; o esteróide Decadron (dexametazona) pode tanto prevenir quanto ajudar no tratamento do HACE. Decadron, contudo, não ajuda na aclimatação e não deve ser utilizado para auxiliar na ascensão (exceto em emergências). Oxigênio suplementar, se disponível, serve tanto no tratamento quanto na prevenção do mal de altitude. Os remédios, entretanto, não devem de forma alguma ser utilizados como substitutos da ascensão gradual na prevenção do mal de altitude, e muito menos substituir a descida no tratamento de sintomas severos. Nunca permita que a vítima desça sozinha; pelo menos uma pessoa saudável deve sempre acompanhar o indivíduo. Se for possível, coloque o paciente em uma bolsa Gamow, uma câmara hiperbárica portátil que simula a descida. A bolsa é feita de Cordura e pode ser hermeticamente selada antes de ser inflada com uma pequena bomba à pedal. A bolsa pressurizada produz uma atmosfera similar à que existe várias centenas de metros abaixo. A bolsa Gamow (Gamow Bag) é muito eficaz no tratamento de AMS e HACE. Após algumas horas dentro da bolsa, a maioria dos pacientes experimentará melhora marcante. Se suas condições permanecerem estáveis por mais algumas horas após deixar a bolsa, eles poderão descansar à mesma elevação por um ou dois dias e depois prosseguir. As vítimas de HAPE não reagem tão bem. Embora o tratamento com a bolsa cause melhoras, a condição das pessoas com Edema Pulmonar se deteriora uma ou duas horas após saírem da bolsa. Se isso acontecer, faça com que a vítima retorne à bolsa até que suas condições melhorem outra vez e depois desça-a imediatamente, aproveitando essa breve janela de melhoria. Em geral é difícil diferenciar entre pacientes que sofrem de HAPE ou de HACE, e muitos alpinistas são afetados por ambos. A solução mais segura é sempre a descida. Ficar estacionado esperando a melhora é como jogar roleta russa: se você errar, morre.

* Texto de: Eric A. Weiss – Professor Assistente de Medicina de Emergência no Centro Médico da Universidade de Stanford, na Califórnia. É membro do da diretoria da Wilderness Medical Society e médico oficial da Associação de Resgate do Himalaia (Himalayan Rescue Association), em Pheriche, Nepal.

** O texto é clipping do site Segurança em Montanha, de Pedro Lacaz Amaral e Marcus de Araújo Vieira www.segurancaemmontanha.com.br

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