Era uma segunda-feira, no final de fevereiro de 2006, quando cheguei à pacata cidade de Junín de Los Andes. Imediatamente, saí em busca de informações sobre o Vulcão Lanín. Localizado no sudoeste da Província de Neuquén, na Patagônia Argentina, o vulcão fica dentro da área protegida do Parque Nacional Lanín, a cerca de 110 km da cidade de San Martin de Los Andes. Eu estava com um enorme desejo de conhecer e subir aquele imponente vulcão, admirando do seu cume a esplêndida paisagem da região dos lagos patagônicos chilenos e argentinos.
No entanto, eu já estava bastante cansado antes mesmo de chegar ao vulcão, pois havia acabado de chegar de Bariloche, onde conheci a região do Frey e Cerro Catedral, onde caminhei bastante. Naquele momento, perambulando pelas ruas da cidade, minha maior preocupação era encontrar alguém que estivesse disposto a compartilhar as despesas de aluguel de um rádio comunicador VHF. É que para subir o vulcão é necessário ter uma série de equipamentos exigidos pela direção do parque, incluindo um rádio VHF. Sem estes equipamentos, não se consegue autorização para subir. O aluguel do rádio VHF mais barato que encontrei na cidade custava 45 pesos argentinos por dia, o que seria muito caro para mim, já que estava viajando “na pendenga” há mais de dois meses.
Como ainda não havia encontrado ninguém na cidade, resolvi comprar uma boa quantidade de comida e acampar na base do vulcão, local que supostamente seria mais fácil encontrar pessoas dispostas a subi-lo. Já com provisões para cerca de seis dias na mochila, fui comprar a passagem para o Paso Mamuil Malal (Ex-Passo Tromén) e descobri que, naquele dia, o motorista sairia mais cedo.
Voltei correndo para o albergue para arrumar minhas coisas quando, cerca de 15 minutos antes da van me buscar, um argentino de Buenos Aires chegou ao albergue com uma mochila grande e uma piqueta pendurada nas costas. Imediatamente perguntei a ele se iria para o Vulcão Lanín e ele disse que sim, mas que não tinha um rádio comunicador. Sorte a minha, pois tinha acabado de conhecer alguém na mesma situação, então pelo menos o aluguel do rádio já sairia pela metade do valor. Eu e o argentino, chamado Elói, fomos então de van até o Paso Mamuil Malal, fronteira entre Argentina e Chile, onde montamos nossas barracas em um camping organizado. No dia seguinte, ficamos descansando no camping já que o vulcão estava encoberto por uma grande massa de nuvens. Segundo as previsões meteorológicas, na quinta-feira o mau tempo iria dar uma trégua, e assim esperávamos. Enquanto esperávamos pela janela de tempo bom, fizemos amizade com o funcionário que trabalhava no camping e passamos o dia conversando e tomando mate argentino. Neste mesmo dia, consegui ligar para casa de um telefone público que ficava dentro do quartel dos militares próximo ao camping, para avisar que estava tudo bem.
No dia seguinte, torcendo para que a previsão do tempo estivesse correta, acordamos cedo para fazer o check-up dos equipamentos junto à administração do parque e solicitar autorização para ocupar um dos refúgios da montanha. O tempo já estava começando a melhorar e já era possível ver a face leste do vulcão, que era justamente a rota que iríamos subir. Logo que saímos do camping, encontramos dois argentinos de Bariloche, Xavier e Maurício, que estavam na mesma situação que a nossa, ou seja, tinham todos os equipamentos exigidos pelo parque, exceto pelo rádio VHF. Fizemos amizade com eles e assim conseguimos dividir o valor do aluguel em quatro pessoas. Esperamos os argentinos de Bariloche se arrumarem e realizamos o check-up dos equipamentos junto ao guarda-parque. Todos foram liberados e autorizados, então começamos a caminhada até o refúgio em que ficaríamos, o “RIM26”. Saímos do camping, atravessamos um bosque e logo iniciamos uma caminhada sobre rocha vulcânica esfarelada. Em pouco tempo, entramos na trilha chamada “espinha de peixe”, que sobe até uma altitude de cerca de 1.500 metros. Ali é necessário tomar a única via de acesso aos refúgios, uma trilha chamada “caminho das mulas”.
A partir do refúgio “RIM26”, é possível chegar aos outros dois refúgios em cerca de meia hora. Eu gostaria de ter acampado no último refúgio, o “CAJA”, porque é mais alto, mas infelizmente já estava lotado. Quando chegamos ao nosso refúgio, depois de uma caminhada íngreme de 5 horas e meia, fizemos uma boa refeição, tomamos um chá e conversamos com outras pessoas. Além de nós quatro, havia também uma expedição comercial de 5 pessoas (com um guia contratado), sendo 3 homens e 2 mulheres, no refúgio. Todos foram dormir cedo, descansando da subida e principalmente para acordar durante a madrugada e realizar a subida até o cume. Eu fui um dos últimos a me deitar e fiquei observando o pôr do sol a oeste e a sombra do Lanín projetando-se na planície leste. São momentos como esse que justificam todo o esforço e o preço que se paga para estar ali, vendo com os próprios olhos.
Depois dos últimos raios de sol, fui deitar e não consegui pegar no sono. Na minha mente, milhares de pensamentos atravessavam enquanto estava deitado no chão de pedra fria. Estava preocupado com o tempo e não consegui fechar os olhos um minuto sequer. Tentava me concentrar para dormir, mas ficava apreensivo e inconscientemente prendia minha atenção no ritmo da respiração das outras pessoas que estavam dormindo no refúgio. No meio da noite, enquanto todos dormiam, acabei saindo do refúgio por alguns instantes para ver o céu e as estrelas. E que céu! E que estrelas! Sem nuvens, o vulcão estava iluminado pela luz da lua e acima de seu cume, milhões de estrelas espalhadas no céu. Com toda certeza, uma das cenas mais bonitas que já vi. Às 3h30min, um relógio despertou e a expedição comercial que estava no refúgio começou a organizar sua saída. Enquanto isso, eu também me levantava e preparava minhas coisas para sair logo, pois queria aproveitar as horas da noite no gelo, que estaria em melhores condições. Os argentinos que estavam compartilhando o rádio comigo também começaram a se preparar, e saímos juntos, uns 15 minutos depois do grupo guiado. A noite estava linda, muitas estrelas podiam ser vistas no céu, e o gelo duro apresentava excelentes condições. Se esperássemos pelo sol para sair, o gelo derreteria, e a caminhada na neve seria extremamente complicada. Caminhamos em fila por 20 minutos em uma trilha de muitas pedras e logo colocamos os grampões embaixo das botas. Ao sair, subimos uma rampa de gelo e entramos num glaciar, onde contornamos uma série de grandes gretas até alcançar o refúgio CAJA.
Chegando lá, entramos em um tramo de neve onde caminhamos por mais uma hora até um grande platô, conhecido como “plateau de los 3000”. Bati algumas fotos do nascer do sol, que gerou uma coloração vermelha no gelo. Era possível ainda ver os lagos a quilômetros de distância, encobertos por densas camadas de nuvens. Daquele local, saímos pela direita, observando o Vulcão Villarica, que lançava uma fumaça negra da sua cratera, e o Vulcão Quetrupillán, que explodiu em uma erupção há algumas décadas. Logo encontramos um grupo de 10 militares que também estavam subindo, saindo do refúgio “BIM”.
Subimos lentamente por uma grande rampa de neve e observei o nascer do sol. A caminhada tornou-se mais cansativa devido à elevada altitude. Para proteger meus pés do frio, cobri minhas botas de trekking com duas sacolas plásticas de supermercado, além de usar três pares de meias grossas. Depois de algumas horas, chegamos a outro setor da montanha chamado “canaleta del cumbre”, o único acesso ao cume pela face norte e o último grande desafio para aqueles que sobem por essa rota. Foi muito difícil subir essa parte devido à sua grande inclinação, o que fez com que pedras rolassem várias vezes para baixo quando alguém as tocava.
Quase no final da canaleta, entramos em um trecho misto de gelo, pedras e neve, onde era preciso fazer passagens e travessias um pouco expostas. Dali para cima, não havia nada que nos impedisse de chegar ao cume. Olhei para baixo e vi meus três amigos argentinos a cerca de 100 metros, juntamente com a expedição guiada. Acima, os militares seguiram uma rota à direita, embora o mapa sugerisse que seria melhor seguir pela esquerda. Deixei um grande platô de gelo e segui pela rota da esquerda. Andei mais alguns minutos, ignorando toda a exaustão que tomava conta do meu corpo e a forte dor na perna esquerda. Faltando poucos metros para chegar ao cume, comecei a gravar um vídeo com minha máquina digital, mas as pilhas acabaram. Coloquei novas pilhas e reiniciei a gravação do vídeo. Um minuto foi suficiente para as pilhas descarregarem novamente, provavelmente devido ao frio. Eu só tinha mais dois pares de pilhas no bolso, e se elas se comportassem da mesma maneira, eu sairia da montanha sem uma foto de recordação, o que era inaceitável para mim. Aqueci as pilhas na minha luva e as coloquei na máquina, torcendo para que funcionassem. Comecei a gravar o vídeo novamente, caminhando lentamente por uma rampa de neve. Olhei para frente e vi o grupo de militares parado em um grande platô, todos se abraçando, e depois deles não havia nada, apenas o horizonte se perdendo de vista em uma vista panorâmica. Naquele momento, percebi que não havia mais nada a subir. Assim, às 11h20min do dia 2 de março de 2006, depois de mais de 30 horas sem dormir e 6h30min de caminhada, pisei no cume do Vulcão Lanín. Com um sorriso no rosto, enquanto meus olhos percorriam toda aquela paisagem, senti o gosto da realização de um sonho que eu havia planejado desde a concepção da expedição Patagônia 2006. Estava feliz.
Logo depois, chegou a expedição guiada e os amigos argentinos. Comemoramos e tiramos muitas fotos. No entanto, Elói, o outro argentino que compartilhou o VHF conosco, não chegou ao cume e cedeu ao cansaço na metade da canaleta, junto com uma mulher da outra expedição. Fiquei parado no topo do vulcão por quase 50 minutos e, em seguida, percebi que precisava descer toda a montanha. A descida foi mais rápida e quente, mas também um pouco mais perigosa. A neve amoleceu devido ao sol e começou a acumular constantemente nos grampos abaixo das botas. Quando os grampos enchiam de neve, perdiam o contato, e o escorregão era inevitável, sendo necessário travar a queda com a picareta. Assim, desci uma boa parte do trajeto “de ski-bunda”, sentando na neve e deslizando como se fosse um trampolim, sempre controlando a velocidade com a piqueta.
Depois de algumas horas regressando pelo mesmo caminho que subimos, chegamos ao refúgio e começamos a arrumar nossas coisas. Eu estava simplesmente exausto, mas todos queriam descer para não ter que pagar um dia a mais de aluguel do rádio. Depois de fazer um rápido lanche, desci vagarosamente até o acampamento na beira da estrada, onde cheguei por último, sem condições sequer de conversar. Minhas últimas energias serviram apenas para montar a barraca e abrir o saco de dormir, onde deitei e dormi por mais de 15 horas.
No dia seguinte à tarde, nos despedimos dos amigos, e Elói e eu fomos para a cidade de San Martin de Los Andes. No mesmo dia, Elói foi para Bariloche, e eu procurei um albergue para dormir, para seguir minha viagem no dia seguinte. Já na estrada novamente, pela janela do ônibus, via o Lanín muito distante, marcando a paisagem pela sua altura e beleza. Fiquei olhando para ele por alguns momentos até que se perdeu de vista no horizonte. Coloquei meus fones de ouvido e segui pelo caminho dos Andes.
Dicas para quem quiser escalar o Vulcão Lanín:
- Você pode partir de Junín de Los Andes ou San Martin de Los andes. San Martin é maior e possui opções melhores de lojas, albergues, etc.
- Em Junín a empresa “Alquimia” realiza o transporte até o vulcão, por 25 pesos. Na rodoviária há também ônibus ao vulcão, mas é mais caro.
- Na praça de Junín de Los Andes há um quiosque de informações turísticas sobre o vulcão.
- Há um camping em frente ao vulcão, por 6 pesos ao dia, com banheiros e comida para vender. Ali pode-se alugar também crampões, rádios, piquetas, botas duplas e outros equipamentos.
- Não esqueça de fazer o check-up dos equipamentos junto a administração do parque, que fica ao lado do camping. Eles irão te fornecer dicas preciosas sobre o tempo, sobre a rota, e ainda reservar um local para dormir num dos três refúgios gratuitos.
- Visite o site da administração do parque, lá contém uma série de informações importantes.
- Se você quiser escalar a face sul (técnica), leia o site da administração e veja os mapas, pois é necessário tomar um ônibus diferente.
- Sobre a Face sul do Lanín há um relato de escalada interessante do paulista Maurício Grego. Clique aqui para ver. Há dicas interessantes no site também.
Caso necessite de mais informações entre em contato que terei o maior prazer em ajudar.
Boa escalada.
Confira imagens desta aventura: