Ganhador do Piolet d’Or questiona o sentido do prêmio

Um ponto de vista interessante… O esloveno Marko Prezelj, ganhador do Piolet d’Or este ano, junto com Boris Lorencic, pela primeira ascensão do pilar noroeste do Chomo Lhari (Tibet), escreveu em carta divulgada recentemente que o motivo de ter ido à cerimônia de premiação na França não foi pelo prêmio em si, mas pela oportunidade que teria de expressar a sua opinião sobre este tipo de evento no meio do montanhismo. Na cerimônia porém, o escalador não conseguiu se expressar como gostaria, devido às limitações do seu inglês. Mais tarde, com mais calma, escreveu uma carta expressando suas idéias sobre o Piolet d’Or e outras premiações similares. Fala abertamente sobre “circo e fama”, do papel dos organizadores e da mídia, do erro ao emitir um “juízo objetivo sobre a ascensão de outra pessoa” e dos caminhos que estes eventos deveriam tomar para evoluir, sem a necessidade de determinar “vencedores e perdedores”.

Segue abaixo a tradução integral da carta do montanhista esloveno (do site da Desnível).

Marko Prezelj

GLADIADORES E PALHAÇOS D’OR
Sexo (virtual) com Miss Fama?

Muitas pessoas me criticaram por ter participado da cerimônia do Piolet d’Or este ano. Nenhuma delas estava em Grenoble. Juntar-me a este circo me deu a oportunidade de apresentar publicamente a minha opinião sobre o prêmio. O tempo dirá se isso foi ou não um erro. Eu não acredito em prêmios para o alpinismo, muito menos em troféus ou títulos concedidos pelo público ou pela mídia. Na cerimônia pude ver e sentir o espírito competitivo criado e alimentado pelos organizadores do evento. A maioria dos escaladores prontamente aceitou este clima sem compreender que haviam sido empurrados para dentro de uma arena onde os espectadores são movidos pelo drama, onde vencedor e perdedor são julgados. Não é possível julgar a escalada de outra pessoa objetivamente: cada ascensão contém estórias não contadas, influenciadas por expectativas e ilusões que se desenvolvem muito antes de se colocar os pés na montanha. No alpinismo, até o juízo mais pessoal é extremamente subjetivo. Quando retornamos das montanhas, lembramos dos momentos de forma diferente de como aconteceram – naquele local e hora – no momento em que tivemos que tomar decisões sob a pressão de muitos fatores. Comparar escaladas diferentes não é possível sem algum tipo de envolvimento pessoal, e mesmo assim é difícil. No ano passado escalei no Alaska, Patagônia e Tibet. Eu não consigo decidir qual expedição foi a mais …. a mais “o quê” de fato? Para ilustrar isso eu perguntei (durante a primeira parte da cerimônia) ao pai de vários filhos, qual deles ela considerava o mais/melhor e qual deles o pior? Ele não soube responder. Eu poderia escolher qual vinho, comida, música, livro ou filme eu gosto mais, em um determinado momento, mas um júri não pode decidir qual é o melhor, pior, ou mais para todos em um ano. Se um júri elege um único vencedor, isso automaticamente implica em um perdedor, que é a essência de uma competição. E um primeiro lugar implica que há um segundo, terceiro, e um último lugar. Será o último lugar realmente menos/pior, ou seriam os vencedores apenas mais adequados ao jogo da manipulação? Teriam eles exagerado a “beleza” da sua ascensão de forma mais contundente, e realizado um melhor marketing pessoal frente ao júri? A idéia de encontros inspiradores no meio da escalada é positiva, porém não posso apoiar a idéia absurda desses mesmos escaladores “competirem” no alpinismo. Na cerimônia do Piolet d’Or eu me posicionei contra esse tipo de competição. Disse que o troféu não é importante para mim porque a escolha de um vencedor é subjetiva, assim como nos concursos de beleza ou de canto, e a influência comercial no evento é óbvia e definitiva. Mas meu inglês pobre me impediu de ser claro. Mas a história do Piolet d’Or deixa claro que comparar escaladas (e seus protagonistas e ideais) não tem sentido, e muito menos, fazê-lo no decorrer de todo um ano. Se comparar é impossível, o que então a mídia e patrocinadores apresentam e promovem, e porquê? Para aumentar as vendas, ou pela FAMA talvez? Na Eslovênia, a palavra que se utiliza para fama é também um nome de mulher: “Slava”. Pessoas mais velhas costumavam dizer: “Slava je kurba” (Fama é uma prostituta), um dia está dormindo com um e no dia seguinte com outro. Fama é uma armadilha barata armada pela mídia, na qual os complacentes rapidamente caem e são explorados, percebendo tarde demais que confiança e honra não habitam sob o mesmo teto da notoriedade. O público não se importa realmente com os escaladores, que são elos em uma corrente incestuosa ligando uma fome doentia por atenção à mídia que promove ou critica de acordo com seus interesses. Os organizadores do Piolet d’Or sabem e contam com o cruel fato que sempre irão encontrar um monte de gladiadores e palhaços apaixonados e desesperados para desempenhar um papel no jogo da fama. A pergunta mais interessante é se isso é um ‘reality show’ ou novela. Se a idéia romântica do Piolet d’Or irá sobreviver no futuro, ela deve evoluir para um simples encontro, onde escaladores possam trocar idéias, e compartilhar seus sonhos, ilusões, e realidades. Talvez possam até escalar juntos – ninguém sendo considerado vencedor ouperdedor. Se isso não for possível, então peço à mídia e aos promotores que parem de forçar o espírito competitivo para dentro do alpinismo, e que comecem a respeitar os alpinistas, as suas diferenças humanas e a criatividade das idéias que fazem do alpinismo uma experiência complicada e recompensadora. Peço desculpa se ofendi alguém que é viciado em Miss Fama; ela sai por aí, portanto cuidado com DSTs. E finalizando, os alpinistas são as balas, e a mídia é um rifle. Onde está o alvo?

Marko PrezeljKamnik, Eslovênia
Segunda semana de fevereiro de 2007

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