Por Lucas Hainzenreder Longhi
Ontem acordei cedo e, depois de tomar café da manhã, fui subir o Glaciar Martial com um companheiro da Nova Zelândia. Saímos do acampamento por volta das 9 horas da manhã e subimos a extensa pista de esqui local. Do topo, adentramos uma das várias trilhas de trekking que percorrem os bosques ao redor das montanhas. Todas as trilhas são marcadas com tinta ou fitas nas árvores, o que facilita bastante a orientação. O caminho que seguimos tinha marcações amarelas. Após algumas horas caminhando por um exuberante bosque, chegamos à estrada que leva a um grande hotel da cidade e, dali, tivemos nossa primeira visão do desafio que nos aguardava.
Caminhamos por mais uma hora pela estrada até chegarmos à segunda pista de esqui, que nos levou à base da montanha. Ao longo do trajeto, apreciamos a vista da cidade de Ushuaia e das montanhas nevadas das ilhas próximas. Subimos a segunda pista de esqui, atravessando pontes de galhos e trechos rochosos, até chegarmos a um amplo vale de pedras. O interessante é que o bosque terminava abruptamente, dando lugar às pedras e à ausência de vida, marcando a transição entre o verde e a neve do inverno.
Assim que o bosque se dissipou, iniciamos uma longa e íngreme caminhada em meio às rochas, que nos levou à base do imenso Glaciar. Para aqueles que não sabem, um Glaciar é uma área com grande concentração de gelo, situada em terreno plano ou nas encostas das montanhas. Alguns glaciares têm altura maior que a de um grande prédio e extensão maior que um país. Aqui na Patagônia encontra-se o maior glaciar do mundo, o Perito Moreno, que pretendo visitar em algumas semanas. Para caminhar em um glaciar, é necessário possuir equipamentos especiais, como cordas, crampons (agarras para as botas) e piolet (um tipo de pequeno machado para escalada). No nosso caso, tínhamos apenas um par de crampons. Ofereci um deles ao meu amigo, para que cada um subisse com um crampon no pé. Ao colocar o equipamento, ele hesitou, olhou para o glaciar e decidiu que não queria mais prosseguir. Disse que preferia apenas me observar dali. Então, eu disse que voltaria em duas horas. Coloquei os crampons, jaqueta de neve, óculos, gorro e, munido dos meus bastões de esqui, comecei a subir lentamente pelo glaciar. Sempre procurava cavar a neve antes de firmar os pés, a fim de evitar uma queda desagradável e escorregar até as pedras. Subi o primeiro trecho até chegar a um terreno plano, de onde tive uma vista privilegiada da cidade e arredores. Durante a subida, um dos aparadores de neve dos meus bastões quebrou, tornando difícil usá-lo como apoio. Superei a primeira dificuldade, mas com a perda do bastão. No entanto, isso não era um grande problema, pois eu já não tinha muita coisa mesmo.
Continuei subindo pelo glaciar, sempre procurando por pegadas de outras pessoas. Provavelmente, um casal havia subido pelo glaciar há dois ou três dias, pois ainda era possível ver levemente as pegadas cobertas por uma fina camada de neve branca. Segui fielmente aquela trilha, a fim de evitar cair em uma fenda. O maior perigo em um glaciar são as gretas, grandes fendas no gelo que podem ter vários metros de profundidade. Com a neve, essas gretas ficam ocultas, o que torna a presença de uma corda essencial. Como eu não tinha nenhuma corda, nem um parceiro para me amarrar, continuei subindo, seguindo as pegadas de outros que haviam subido antes e que, provavelmente, não tinham caído nas gretas (assim esperava kkk). O terreno começou a ficar muito íngreme, e olhar para trás não era uma boa ideia, pois o meu próprio peso poderia causar desequilíbrio. Uma queda resultaria em um grande escorregão no gelo, até bater nas rochas lá embaixo. Seria irônico se não fosse fatal. Subi por duas horas, e as pegadas que seguia foram desaparecendo à medida que a altitude aumentava. A vista do local era deslumbrante.
Mesmo sem ver claramente as pegadas, decidi continuar subindo, seguindo meus instintos. Conforme a altitude aumentava, o frio se intensificava. Embora estivesse a pouco mais de 1000 metros acima do nível do mar, o clima era muito hostil, já que estou a cerca de 1000 km da Antártida. Após passar por duas grandes gretas, avistei, à distância, à minha direita, um enorme buraco no gelo capaz de abrigar pelo menos um carro. Não faltava muito para chegar à área rochosa e, a partir dali, escalar até o cume da montanha, mas decidi parar. Não era uma boa ideia prosseguir. Uma pequena tempestade de neve começava a cair. O tempo tem sido ruim desde que cheguei aqui. A neve em si não era o grande problema, apenas exigia mais esforço, pois, em certos momentos, chegava a cobrir meus joelhos. O problema era que, se caísse muita neve, ela poderia apagar minhas próprias pegadas e meu retorno poderia se tornar um desastre. Gravei alguns vídeos, tirei algumas fotos e, em seguida, comecei a descer lentamente, passo a passo, seguindo minhas próprias pegadas da subida. Foram horas de solidão e silêncio absoluto: eu, o gelo e as montanhas. Quando cheguei à base do glaciar, não estava chovendo, mas o vento soprava muito forte. Meu amigo da Nova Zelândia não estava mais lá e, certamente, havia desistido de me esperar. Assim, após mais três horas, retornei caminhando ao acampamento. Assim que cheguei à minha barraca, preparei uma panela enorme de comida e fui dormir. Eram cerca de 9:30 da noite, e eu estava extremamente exausto. Amanhã, irei ao Parque Nacional Tierra del Fuego e pretendo tirar muitas fotos das paisagens deslumbrantes. Ainda não decidi se acamparei lá, mas com certeza voltarei a Ushuaia, pois no dia 11, às 5:30 da manhã, pegarei um ônibus para Punta Arenas, no Chile. Até breve.